Espaços para a construção do conhecimento
Ao ministrar alguns conteúdos de Filosofia, precisamos recorrer ao método expositivo, ao menos para levar os estudantes a uma primeira aproximação com o tema. No entanto, nós também podemos enriquecer nossas aulas expositivas com os espaços das cidades onde moramos.
A Filosofia, como nós sabemos, teve em sua origem uma relação íntima com a cidade (pólis). Nós perdemos o contato com o outro e com os espaços quando restringimos nossas aulas às salas e escolas. Por essa razão, muitos de nossos estudantes não entendem o quanto as questões filosóficas podem partir da realidade concreta e estar vinculadas aos problemas do cotidiano.
Veja a seguir algumas sugestões de temas e os espaços que podem ser utilizados:
1) Origens da Filosofia/ Sócrates/ Sofistas/ Retórica
Lugares sugeridos: praças, parques e centro da cidade.
Bibliografia sugerida: Qualquer diálogo de Platão focado na figura de Sócrates ou o diálogo “O Sofista”, no qual apresenta sua crítica aos sofistas.
Atividade sugerida: De fácil implementação, com essa atividade espera-se apenas que os/as estudantes tenham em pensamento que a filosofia era feita ao ar livre e em espaços da cidade, não em lugares fechados, sentados em fila, com um conteúdo específico a ser estudado e com os estudos guiados por uma avaliação. O professor/A professora pode preparar com os estudantes antes, em sala, alguns desses temas e, no momento ao ar livre, pedir para que alguns alunos conduzam a discussão – tentando reproduzir o método de sócrates.
2) Fé e razão
Um tema que costuma despertar interesse e causar polêmica, o conflito entre “fé e razão” pode ganhar um sentido mais vivo quando levamos os estudantes a espaços religiosos onde poderão entrar em contato com pessoas durante suas práticas religiosas.
Lugares sugeridos: Santuários católicos (como os santuários de Trindade-GO e Aparecida do Norte-SP), mosteiros/seminários/conventos, mesquitas, templos budistas e centros espíritas (kardecistas ou umbandistas).
Bibliografia sugerida: A filosofia medieval é muito rica a respeito do conflito e conciliação entre fé e razão. Tomás de Aquino e Agostinho de Hipona podem ser os autores usados como referência. Além deles, Boécio, Nicolau de Cusa e Kierkegaard. Jean-Paul Sartre e Friedrich Nietzsche podem ser boas referências para problematizar a fé de uma perspectiva ateísta.
Atividade sugerida: Depois de expor o conteúdo, o professor/a professora pode dividir os estudantes em grupos e pedir para que eles entrevistem as pessoas que estiverem presentes sobre a importância da religião para suas vidas, sobre o significado de fé e sobre a noção que fazem do sagrado, por exemplo.
É importante diversificar os lugares religiosos e não buscar apenas templos cristãos para que os estudantes percebam as diferenças entre as religiões, desconstruam preconceitos (principalmente a respeito de religiões de matriz africana) e percebam a diversidade do discursos religioso. É importante também conversar com uma pessoa que se identifique como agnóstica ou ateia para que os estudantes percebam que a fé não é uma condição indispensável para a ética e que, da mesma forma que são muitas as vias pelas quais as pessoas aproximam-se da religião, muitas também são as vias pelas quais as pessoas identificam-se como ateias.
3) Capitalismo/Marxismo, alienação do trabalho
Lugares sugeridos: fábricas, metalúrgicas, supermercados, shoppings, comunidades alternativas (ecovilas), aterro sanitário, assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.
Bibliografia sugerida: Karl Marx, Friedrich Engels, Max Weber e Adam Smith são alguns dos principais nomes que tratam do capitalismo.
Atividade sugerida: Seria interessante se o professor/a professora pudesse levar os estudantes a lugares “opostos” para que eles pudessem perceber as consequências do capitalismo, inclusive ambientais e humanas. Em uma fábrica, poderiam conversar tanto com os operários tanto com os diretores a respeito de salário, benefícios, horas de trabalho, qualificação necessária para exercer tal cargo e o conhecimento que eles possuem das atividades desempenhadas pelos colegas.
As chamadas “ecovilas”, comunidades agrícolas autossustentáveis, como o Centro de Permacultura Asa Branca, a 23 km de Brasília, podem ser uma alternativa para que os estudantes percebam que há alternativas para que o ser humano consuma sem causar danos muito graves ao ambiente e que há modos de vida possíveis fora da lógica capitalista. Os próprios centros/comunidades que são abertos ao ecoturismo oferecem atividades e oficinas, como oficina de fabricação de papel reciclado.
No outro extremo, temos as pessoas que vivem em aterros sanitários, assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e pessoas em situação de rua. O contato com essas pessoas pode alertar os estudantes para vivências que desconhecem, os motivos que levaram as pessoas a determinada situação e, com isso, desfazer preconceitos e estabelecer relações com o capitalismo. A depender do nível econômico dos estudantes, é possível realizar com eles alguma atividade em prol da população visitada, como arrecadação de brinquedos, roupas e agasalhos e, até mesmo, doação de comida.
4) Justiça/ Relação entre Ética e Justiça
Lugares sugeridos: Tribunal Regional Federal, Tribunal de Contas do Estado.
Bibliografia sugerida: O professor/ A professora pode tratar de um filósofo específico ou tentar fazer um mosaico entre diversas abordagens a fim de mostrar as variadas concepções de justiça ou até mesmo a construção do termo como conhecemos hoje. Platão, Aristóteles, Cícero, Tomás de Aquino, Maquiavel, Thomas Hobbes, Rousseau, Locke, Kant, Norberto Bobbio, Michel Foucault e Hannah Arendt podem oferecer boas contribuições conceituais para as aulas. Para tratar da relação entre Ética e Justiça, temos em Adela Cortina um ótimo referencial teórico e de fácil leitura.
Atividades sugeridas: O professor/ A professora pode pedir para que alguma pessoa que trabalhe diretamente com a justiça – advogados, promotores, juízes – faça uma breve exposição sobre as atividades que desempenha e seu pensamento sobre a importância da justiça, além de particularidades jurídicas do Brasil. Os alunos podem participar de alguma sessão ou audiência para saberem como são realizados os julgamentos. Além disso, o professor/a professora pode, de volta à escola, pedir que os/as estudantes realizem um “júri simulado” a respeito de algum problema teórico ou sobre algum tema atual.