Filosofia da Linguagem
SEARLE, John. Filosofia da Linguagem: uma entrevista com John Searle. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. Vol. 5, n. 8, março de 2007. Tradução de Gabriel de Ávila Othero. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].John Searle
Universidade da Califórnia, Berkeley
Universidade da Califórnia, Berkeley
ReVEL – O que é a Filosofia da Linguagem? Como ela se relaciona com a Lingüística e com a Filosofia?
Searle – A questão mais geral em Filosofia da Linguagem é a seguinte: como exatamente a linguagem se relaciona com a realidade? Quando faço barulhos com minha boca, estou tipicamente fazendo uma declaração, uma pergunta, um
pedido ou uma promessa, ou estou ainda desempenhando um outro tipo de ato de fala, um tipo que Austin batizou de ato ilocucionário. Como isso é possível, já que tudo o que sai da minha boca não passa de um conjunto de sopros
acústicos? Outra maneira de fazer essa mesma pergunta é assim: o que exatamente é o significado? Como um falante diz algo e torna esse algo significativo pelo que diz? Qual é o significado das palavras em uma língua, onde as palavras têm um significado convencional?
O motivo pelo qual as perguntas “como a linguagem se relaciona com a realidade?” e “o que é o significado?” são variantes da mesma questão é que a função do significado é relacionar a linguagem com a realidade.
Ao responder a essas perguntas, a Filosofia da Linguagem tem de lidar com todo um conjunto de outras questões, tais como: o que é a verdade? O que é a referência? O que é a lógica? O que são relações lógicas? O que é o uso da língua e como o uso se relaciona ao significado? E por aí vai, com um grande número de outras perguntas, tanto tradicionais como novas.
Não há uma linha divisória bem delimitada entre a Filosofia da Linguagem e a Lingüística, mas em geral pode-se dizer que a Lingüística lida com fatos reais empíricos sobre as línguas humanas. A Filosofia da Linguagem também lida
com fatos empíricos, mas geralmente a proposta é atingir certas características universais subjacentes do significado e da comunicação e, especialmente, analisar a estrutura lógica da referência, da necessidade da verdade, dos atos de fala, etc. E essas análises não são dadas simplesmente analisando fatos sobre esta ou aquela língua particular.
As relações da Filosofia da Linguagem com a Filosofia em geral são também bastante complexas. Por um longo tempo, muita gente pensou que toda a Filosofia era, na verdade, a Filosofia da Linguagem, porque se pensava que
todas as questões filosóficas poderiam ser resolvidas analisando a linguagem. Acredito que muito poucas pessoas ainda pensam assim, mas a Filosofia da Linguagem continua sendo uma parte importante da Filosofia em geral.
O motivo por que a Filosofia da Linguagem não é central como já foi há, digamos, cinqüenta anos, é que muitos filósofos – eu mesmo, por exemplo – passaram a pensar que a Filosofia da Linguagem é, em si mesma, dependente de resultados da Filosofia da Mente. A linguagem é uma extensão de capacidades biológicas fundamentais da mente humana.
ReVEL – Qual é a relação entre linguagem e pensamento?
Searle – É impossível responder a essa pergunta em espaço tão curto, mas certas considerações gerais podem ser mencionadas. Muitas pessoas acham que é impossível ter pensamento sem linguagem, mas isso está claramente errado. Temos agora uma enorme quantidade de evidências de que os animais são capazes de apresentar pelo menos algumas formas simples de processos de pensamento. No entanto, formas mais complexas de pensamento exigem algo como a linguagem humana. Então, os seres humanos têm pensamentos de uma maneira que os animais não têm. Um animal poderia sair de um labirinto de uma maneira que mostraria que ele pode compreender a diferença entre um,
dois, três e quatro caminhos, mas sem a linguagem, um animal não pode saber que a raiz quadrada de 625 é 25. Existe, literalmente, um número infinito de pensamentos que só podem ser expressos com a linguagem, e a área de pensamento que pode ser feita sem a linguagem é bastante restrita.
ReVEL – O senhor teve grande participação no desenvolvimento da teoria dos atos de fala e nas origens da Pragmática. Como o senhor vê suas contribuições hoje?
Searle – Eu não gosto muito do termo “Pragmática”, porque ele sugere uma distinção rigorosa entre Pragmática e Semântica, e eu não acredito que essa distinção possa ser feita. Contudo, eu acredito que o estudo dos atos de fala e o
estudo do uso da linguagem é absolutamente essencial para a Lingüística e para a Filosofia da Linguagem. Acredito que não seja possível começar a compreender o que é a linguagem ou como ela funciona sem ver que a unidade
fundamental do significado é o que o falante quer dizer ao produzir um enunciado e que a unidade fundamental de enunciados significativos é o ato de fala, especificamente, o ato ilocucionário, como referido originalmente nos
primeiros trabalhos de Austin.
ReVEL – O seu argumento do “quarto chinês” contra a Inteligência Artificial forte já é clássico. Mas há várias críticas a ele. Quais são os principais argumentos dos críticos e como o senhor responde a eles?
Searle – Existem tantos argumentos contra o argumento do quarto chinês que eu não conseguirei resumi-los aqui. Todos eles falham basicamente pela mesma razão: eles falham em compreender o que é um computador digital. Um computador digital, como descrito originalmente por Alan Turing, é um mecanismo que manipula dois tipos de símbolos, normalmente imaginados como zeros e uns. Qualquer símbolo, no entanto, servirá. O motivo por que tal
mecanismo falha em produzir, sozinho, consciência, intencionalidade e significado é que as propriedades do mecanismo são definidas puramente de maneira formal ou sintática, e a sintaxe dessas operações não é, por si só,
suficiente para garantir a presença de semântica ou de significado. No quarto chinês, o homem tem toda a sintaxe que os programadores de computador podem fornecer a ele, mas ele ainda não sabe o que as palavras significam. E se
ele não compreende as palavras com base na implementação do programa de compreensão, então nenhum outro computador digital irá compreender sozinho
com essa base, porque nenhum computador digital, sendo justamente um computador digital, tem algo que esse homem não tem.
ReVEL – Como um experiente filósofo, o senhor poderia sugerir algumas leituras essenciais na área de Filosofia da Linguagem?
Searle – Para uma boa coleção geral de artigos sobre a Filosofia da Linguagem, veja os seguintes:
Austin, How to Do Things with Words, Cambridge, MA: Harvard University Press, 1962.
Grice, Studies in the Way of Words, Cambridge: Harvard University Press, 1989.
Martinich, A. P, The Philosophy of Language 4th edition, Oxford University Press, 2001.
Searle, Expression and Meaning, Cambridge University Press, 1979.
Searle, Speech Acts, Cambridge University Press, 1969.